A expressão “novo normal” está na boca do povo, nas antigas e novas mídias. Contudo, não podemos esquecer que a expressão em si pode ser controversa, uma vez que pressupõe que há um “normal” – e não faltarão pessoas para problematizar a definição do conceito. Então, aqui achamos prudente explicar, primeiramente, a que normal nos referimos. “Normal” nas linhas que seguem será utilizado meramente como uma de suas definições no dicionário de língua portuguesa: “conforme as normas”, sejam essas normas sociais, sanitárias ou legais, deixaremos as ponderações filosóficas sobre “o que é ser normal” para outros espaços e momentos.
O viver no mundo nunca foi algo estático, as mudanças ocorrem a todo momento, mas a modificações eram paulatinas e tornavam a chegada do novo mais palatável, quase imperceptíveis. O fator tempo atuava, nos dando chances de adaptações. Porém, no mundo inteiro e no Brasil, desde março, passamos por mudanças, mas não mais paulatinas, mas abruptas. A transição de nossas vidas em espaços públicos para a reclusão em nossas casas foi como um pouso forçado, sem hora para decolarmos novamente – tivemos que aterrissar, a contragosto, mas compreendendo que era para a segurança de todos os passageiros. De início, achamos que esse pouso emergencial demoraria pouco tempo, que logo voltaríamos ao destino conhecido, ilusão nossa.
Passados alguns meses dessa aterrissagem parece que, finalmente, estamos nos organizando para decolar novamente. O destino, porém, não é exatamente o que esperávamos que seria, ele sofreu algumas alterações. Temos dicas de como esse destino, nomeado “novo normal”, poderá ser. Inferimos, especulamos, buscamos pistas na cultura local – sabemos que nesse novo destino as medidas de higiene ocupam lugar de destaque, mas ainda precisamos conhecê-lo de perto.
Assim como o pouso forçado foi para a nossa segurança, andam nos dizendo que esse “novo normal” também visa nos proteger. E em prol dessa proteção, hábitos irão se modificar, o novo elogio talvez seja “higienizado”. “Vamos para restaurante tal?” “Claro, eles são ótimos! Tudo lá é tão higienizado!”. Cumprimentos também passarão por uma releitura: abraços e beijos no rosto talvez deixem de ser visto como atos calorosos e passem a ser encarados como perigosos, falta de bom senso. Podemos imaginar que será assim, mas ainda não sabemos como será se sentir assim. Como um viajante de primeira viagem que segue ao hemisfério norte em pleno inverno, que sabe que será frio, mas só entende o frio ao chegar lá, também nós só entenderemos completamente esse “novo normal” ao entrarmos completamente nele.
Por falar em viagem, os viajantes veteranos já deviam ter suas estratégias para lidar com a presença, por alguns dias e em tempo integral, de amigos e familiares. Sabemos que ficar lado a lado, 24 horas por dia, com pessoas queridas, mas que nem sempre compactuamos da maneira de lidar com o cotidiano, é desafiador. Isso me lembra uma metáfora contada pelo filósofo Schoppenhauer, o famoso dilema do porco espinho. Porcos espinhos ao ficarem muito perto uns dos outros, se espetam, se machucam e assim, acabam por se afastarem. Porém, a distância dos outros membros de sua comunidade faz com que sintam frio, então, para a boa convivência, precisam encontrar uma boa gestão da distância – perto o suficiente para se sentirem aquecidos, mas longe o suficiente para não se espetarem. Espero que as famílias durante essa convivência compulsória tenham conseguido encontrar uma boa gestão da distância, muitas famílias reencontraram um laço perdido, um diálogo que ficava esquecido pelo dia-a-dia das obrigações profissionais. Estas relações se fortaleceram e reforjaram um elo que outrora se rompera. Outras famílias, infelizmente, não encontraram o mesmo caminho, se espetaram pela proximidade.
As relações serão repensadas, as mais diversas áreas de nossas vidas tenderão a ter um novo normal, uma nova norma norteadora. Economia, saúde, educação, turismo, nada parece passar intacto após a pandemia. Uma nova proposta de consumo mais consciente, atendimentos online, aulas remotas, novas modalidades de turismo – como já tem acontecido em outros países: o ecoturismo e o turismo de camping já estão sendo bastante procurados.
Mudanças sempre ocorreram, mas a rapidez delas é que nos deixou um pouco desnorteados. Especialistas de cada área fazem suas apostas para o novo normal que se seguirá. Entretanto, independente de qual área, vale lembrar que a espécie Homo Sapiens tem em si um diferencial: uma extraordinária capacidade de adaptação. Ao longo da história, passamos por guerras estrondosas, por outras pandemias, desastres naturais avassaladores e por severas crises econômicas. Sempre conseguimos nos adaptar e prosseguir, sempre o “normal” foi reconfigurado e readequado às novas circunstâncias. Desta vez, não será diferente.
Honestamente, não sabemos como será a vida regida pelo novo normal. Sei que estou com os bilhetes para esse destino desconhecido nas mãos e, talvez, nunca tenha querido tanto decolar novamente.
Maria Camila Moura
Psicóloga (UFC)
Mestre em Psicologia (UFC)
Doutoranda em Saúde Pública (UFC)
CRP: 11/09333
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